Um país amputado

Eu ainda sou do tempo em que em Portugal ser-se do PS era ser socialista “a sério” e ser do PSD, imagine-se, era ser de direita. Bem demarcadas estavam também as áreas de influência do CDS, cristãos e conservadores da direita, e do PCP, já em notória derrocada pós-Cunhal, que reunia todos os saudosos do tempo do PREC e afins.

Nesse tempo, era Cavaco primeiro-ministro e éramos, claro, governados à direita. A privatização de empresas públicas e a liberalização de certos sectores – vejam-se os media, por exemplo – eram algumas das imagens de marca do governo cavaquista.

Claro que um país de brandos costumes como o nosso mantém sempre certos tiques, que estão presentes quer se governe à direita ou à esquerda. Falo, por exemplo, dos aumentos salariais fantásticos na função pública nesse tempo e a colocação dos ordenados mais altos em cinco funções do Estado: militares, investigadores universitários, juízes, médicos e professores.

Aliás, o apreço pela função pública – e pela carreira no sector – é uma imagem de marca tão forte do governo de Cavaco como as auto-estradas ou o aumento das propinas.

Depois de Cavaco, o país virou, efectivamente, à esquerda com uma série de políticas económicas e sociais desastrosas e lideradas por António Guterres, um tipo porreiro mas sem qualquer condição para liderar um país.

Portugal mergulhou no pântano e viramo-nos para um homem da direita para nos tirar de lá. Falo de Durão que, depois dos mega comícios e congressos – lembram-se da visita de Aznar? –, chegou a São Bento para pôr a casa em ordem, fazendo regressar ao governo algumas das pessoas que tinham marcado os anos dourados do PSD de Cavaco Silva. Manuela Ferreira Leite foi uma delas.

Depois, quando as coisas davam ligeiros sinais de estarem a correr melhor, e até tínhamos sido vice-campeões europeus – sim, vice-campeões porque desde os Descobrimentos que fazemos questão de não ganhar nada… para dar oportunidade aos outros – tivemos o Governo andrógino e assexuado de Santana Lopes, aquela coisa híbrida que não sabia se havia de ir para os copos no Bairro Alto ou assistir ao debate parlamentar no dia seguinte – ainda bem que havia pausas para almoçar na Assembleia, porque o menino guerreiro tinha de dormir.

E, foi nesta altura que as coisas começaram a deixar de fazer sentido. Portugal votou em Sócrates e deu uma maioria ao PS que, para governar com menos insucesso, virou à direita. Ora, essa viragem dos “socialistas” à direita, confundiu os partidos da direita tradicional, que se sentiram tentados a virar à esquerda.

Mas, por entre trocas e baldrocas, nem PSD nem CDS conseguiram perceber como se podia fazer essa troca e deixaram-se estar nessa coisa lírica que é o centro. Ainda por cima, de há dez anos a esta parte, apareceu mais um partido à esquerda, o Bloco de Louçã, que confundiu as contas de toda a gente, principalmente do PCP.

Agora, pertinho do final deste mandato de Sócrates, assistimos a um Governo do PS que mascara a sua posição à direita com algumas – populistas – medidas sociais e dois partidos à esquerda que vão apanhando os descrentes do novo socialismo, Alegre incluído.

Entretanto, o CDS desapareceu no manto de Portas e o PSD ainda não percebeu muito bem como se faz essa coisa da oposição quando, na verdade, não nos opomos a nada, concordamos com o Governo mas temos de dizer qualquer coisa. É nessas alturas que saem declarações como “suspender a democracia” ou “o PIB da Ucrânia e de Cabo Verde é que tinham a ganhar (com as obras públicas)”.

O eleitorado de direita é muito menos fiel do que aquilo que se pensa. Essencialmente liberais no mercado e conservadores sociais, desde que concordem com a política genérica do governo, não têm problemas em votar PS. Muitos menos problemas têm em marcar a cruzinha ao lado da rosa, quando os próprios partidos de direita falham no momento da oferta de uma verdadeira alternativa de governo.

Hoje não há direita em Portugal. Há um partido popular que se faz vender como de direita, mas na verdade apenas quer garantir a quota de deputados para justificar a sua existência, e um outro que quer ser de governo mas que se esqueceu de como lá se chega – um pouco como o Benfica, que já não sabe muito bem como se faz essa coisa de liderar o campeonato e fica com medo sempre que a oportunidade surge.

Pensando melhor, estou enganado. Há direita sim senhora em Portugal. E, é tão moderna, tão moderna, que até é praticada pelo Partido Socialista, que deixou essa coisa chata e incómoda do socialismo para os blocos e afins.


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