O parlamentarismo morreu. Viva o presidencialismo

Conclui Vasco Pulido Valente na sua crónica de ontem que “o parlamentarismo, até o de Cavaco e o de Sócrates, faliu.”. Para justificar esta posição, Pulido Valente aponta a impotência e divisão que marca a Assembleia da República, um órgão cada vez menos reconhecido como vital para o funcionamento da democracia.

Mais, a propósito da sugestão de muitos para a formação de um Bloco Central como forma de salvar o país, um governo de consenso nacional onde PSD e PS vigiar-se-iam mutuamente, o cronista considera que “centrão” no poder seria “uma solução expedita para liquidar o regime”. Porquê? Entre outras razões, porque a falência de um governo que unisse PSD a PS significaria a morte da alternativa natural de governo. Se a coligação acabasse mal (“como fatalmente acabaria”) nem PS nem PSD seriam capazes de conquistar uma maioria absoluta em futuras eleições e, nesse cenário, sem coligação que os unisse, não haveria saída para o regime.

Hoje também é conhecido um estudo do ISCTE onde se diz que os portugueses não gostam da maiorias relativas e, apesar de não contestarem a legitimidade de quem governa, referem que não se sentem representados pelos actuais decisores políticos.

Pulido Valente alerta para a inevitabilidade do fim do regime parlamentar. Uma morte lenta, corroída a partir de dentro. A saída encontrada é o regime presidencialista.

Apesar de não concordar com todos os vaticínios de VPV, não é difícil notar que o regime semipresidencial português deixou há muito de servir o país. A perda de influência do parlamento, os abusos dos governos eleitos, a incapacidade mostrada pelos partidos portugueses de chegarem a consensos em momentos de maiorias relativas, a instabilidade mostrada por quem está no poder e o descrédito e desrespeito generalizado por quem exerce o poder mostram um regime cansado, fatigado e a necessitar de ser renovado.

Um sistema presidencialista próximo do francês ou do americano, por exemplo, poderia ser uma forma de governo mais eficaz. Desde logo, porque se acaba com a figura apenas “presidenciável” do PR, dotando o cargo de poderes executivos e de governo. Depois, confiando no PR para formar governo, acabava-se com a crispação entre o Presidente e o Executivo, uma vez que o Governo seria o braço executivo do Presidente. A pluralidade partidária continuaria a ser assegurada na Assembleia da República, mas necessariamente teria de ser composta por menos deputados.

Deputados esses que teriam de ser escolhidos directamente do seu círculo eleitoral e teriam de ter residência oficial no círculo em causa. Quando os eleitores de Braga, Beja ou Faro votassem, saberiam perfeitamente quem estariam a colocar na Assembleia. No entanto, não é de todo descabido defender a existência de duas câmaras da Assembleia, ao estilo do Congresso e do Senado norte-americano, onde se garantem aos distritos – ou regiões, no caso da necessária regionalização ser levada para a frente – votos e assentos em ambas as cadeiras conforme a sua densidade populacional. É justo que regiões/distritos mais habitados tenham mais votos e poder na câmara alta da AR.

Naturalmente, uma reforma no poder local é também urgente, reforçando e modernizando os canais de financiamento das autarquias. E, talvez, alterar neste momento a lógica de distribuição de verbas: em vez de virem da capital para as autarquias, partir das edilidades para a capital, através de um acordo sobre que percentagem de impostos e tributações ficaria na região e qual seria enviada para a capital. A meu ver, a opção pelo federalismo não só é viável como determinante para o sucesso das instituições democráticas nacionais.

Um regime político presidencial, um governo eleito pelo Presidente, uma Assembleia dividida em duas câmaras e reflectindo a distribuição dos eleitores pelo país, um governo local mais forte e mais ágil que servisse melhor o cidadão, ficando este com mais responsabilidades na gestão quotidiana dos assuntos municipais e responsável pelos serviços a oferecer ao cidadão. Uma reforma política neste sentido poderia ser bastante mais interessante do que prolongar o actual estado de coisas, onde o descontentamento e a desilusão são norma nos eleitores e a impotência e incapacidade são atributos dos deputados.

Mudar, mas mudar a sério, é preciso e no caso português a mudança apenas pode vir de uma reforma profunda mas evidente do sistema político nacional. O parlamentarismo português, como escreve Vasco Pulido Valente, morreu.


3 thoughts on “O parlamentarismo morreu. Viva o presidencialismo

  1. «não é difícil notar que o regime semi-presidencial português deixou há muito de servir o país.»

    non ci credo. quanto muito poderás dizer que “este” regime semipresidencial deixou de servir, mas mesmo isso é difícil de aferir. nem os estudiosos da coisa por cá concluem isto cabalmente. de qualquer modo, porque “este” regime não funciona não significa que ele não possa ser reajustado, mantendo-se semipresidencial. olha, por exemplo, como o francês (que também é semipresidencial, não presidencial).

    «uma reforma no poder local é também urgente, reforçando e modernizando os canais de financiamento das autarquias»

    urgente? wishful thinking, não?

    —-

    ah, não sei se quando falas de parlamentarismo falas de acção do parlamento em contexto semipresidencial, ou se estás mesmo convencido de que o regime é parlamentar. bem, é semipresidencial.

    1. «quanto muito poderás dizer que “este” regime semipresidencial deixou de servir, mas mesmo isso é difícil de aferir.»

      a coisa boa de ter um blogue é que podes dizer certas coisas sem necessidade de terem 1001 estudos académicos que o comprovem. basta a tua análise do estado de coisas. e esta é a minha.

      « olha, por exemplo, como o francês (que também é semipresidencial, não presidencial).»

      estás a ser demasiado literal. claro que em frança existe um governo que trata dos assuntos domésticos e o sarko fica para o exterior. o que eu pretendo salientar é que o PR é mais responsável e responsabilizável, mais activo e determinante na gestão do país. sim, é semipresidencial mas a figura do presidente é mais visível e, poderíamos argumentar, decisiva. daí também falar do modelo americano, aquele de que gosto mais.

      «urgente? wishful thinking, não?»

      se encontrares palavra que diga melhor «urgente« do que «urgente«, diz.

      «bem, é semipresidencial.»

      sim, eu sei que é semipresidencial.para efeitos de argumento, e por reunir alguns dos elementos que eu acho positivos, inclui-o no saco presidencial mas tenho a noção perfeita sobre qual a sua natureza. o modelo dominante seria o americano, mas com umas pinceladas do francês e do alemão, porque não?

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